quarta-feira, 31 de agosto de 2011

14 / JULHO / 2011 = TEXTOS: Ex.3,13-20; Mt. 11,28-30


    Pela pergunta que Moisés faz a Deus, na primeira leitura de hoje, pelo que Deus responde e pelo que Cristo diz de si mesmo no Evangelho, não tenho dúvida de que a Eucaristia, de hoje, nos permite escolher D E U S como tema para nossa reflexão.

    1. DEUS, OBJETO DESCARTÁVEL

   No mundo, sociedade e cultura secularizada, de hoje, com forte tendência secularista, constatamos um esforço de tornar Deus um objeto dispensável ou, ao menos, descartável. Em algumas pessoas, setores ou grupos, como declarada negação, em outros, dúvida e interrogação, ainda em outros, inconfessada, mas inegável ignorância e nos últimos negação do Deus apresentado pelas religiões tradicionais e busca de outras definições.

   2. DEUS, O ETERNO NAMORADO

  Mas, como sabemos que, não só no ser humano, mas em todas as criaturas, a SEDE DE DEUS é um fenômeno antológico, a pergunta QUEM É DEUS?, transformou-se num fenômeno antológico, que perpassa todas as culturas e todas as gerações.
  
 Assim o pedido de Moisés "Mostra-me tua glória!"(Ex.33,18) que, em outras palavras, queria dizer: Quem és?! Dá-me tua identidade, que ajude a conhecer teu direito e poder   torna-se um pedido representativo de toda a criação respondendo a pergunta: "Que direito tens de dizer, ou ensinar, obrigar e exigir alguma coisa?!

  Para Moisés, além deste anseio universal esta resposta era como que um cartão de identidade, ou carta de recomendação, para apresentar tanto a seu povo, como ao Faraó, provando sua autoridade e direito de ser respeitado e obedecido.
  
    3. DEUS NÃO EXISTE!

 Respondendo a Moisés, Deus quis reafirmar, através de gesto e linguagem simbólica que ele é "O OUTRO", O INDESCRITÍVEL, O IRRECONHECÍVEL, a não ser através de sinais e comparações, que nunca atingem a essência de seu ser. Em outras palavras: ninguém, neste estágio de vida física, histórica, temporal, conseguirá entender a Deus. Isto só será possível no estágio posterior à ressurreição.

    "Javé respondeu: farei passar diante de você todo o meu esplendor e pronunciarei, diante de você o meu nome: JAVÉ. Terei piedade, de quem eu quiser ter piedade e terei compaixão de quem eu quiser ter compaixão. E acrescentou: você não poderá ver o meu rosto, por que ninguém poderá ver o meu rosto e continuar com vida. E Javé disse ainda: Eis aqui um lugar junto a mim. Fique em cima da rocha. 
Quando a minha glória passar, eu colocarei você na fenda da rocha e o cobrirei com a palma da mão, até que eu tenha passado. Depois tirarei a palma da mão e me verás pelas costas. Minha face, porém você não poderá ver" (Ex.33,19-23).
O próprio Jesus o disse: "Ninguém jamais viu a Deus" (Jo. 1,18)
  E é fácil de entender. Todo e todos os nossos conhecimentos são midiatizados pelos sentidos, como ensina a filosofia: "Nada chega à inteligência, a não ser que passe, antes, pelos sentidos."
Ora, as realidades pós-morte não são realidades físicas, materiais, ou sujeitas ao tempo histórico e, portanto, não são captáveis pelos sentidos. Assim sendo, nossa inteligência não tem o que a  filosofia chama de "Princípio de Identidade", que a possibilite captar as realidades ultra-terrenas.
 Foi isto que levou um teólogo católico do século XII, Eckart, a afirmar, para escândalo da Igreja, que ''DEUS NÃO EXISTE", querendo, com esta expressão escandalosa dizer que o que falamos sobre Deus não é realmente o que Deus é, mas uma imagem falsa, humana, materializada, ou mentalizada dele. Este Deus, de fato, não existe.
 São Paulo disse a mesma coisa, quando afirmou "Agora vemos como que através de um espelho, de maneira confusa, mas, depois, veremos como as coisas realmente são. Agora meu conhecimento é limitado, mas, depois, conhecerei como sou conhecido" (1Cor. 13,12)
 É o que quer fazer entender, também, uma lenda atribuída a Santo Agostinho, que um dia, andando na praia, meditava, tentando entender quem é Deus. De repente apareceu um menino, que furou um buraquinho na areia da praia, depois pegou uma conchinha, ia até a água do mar, enchia a conchinha e a despejava no buraquinho. Intrigado com isto Santo Agostinho perguntou ao menino, o que ele estava fazendo. O menino respondeu: Eu quero ver se consigo colocar toda a água deste mar neste buraquinho....Santo Agostinho deu uma gostosa gargalhada e disse ao menino: Deixe de ser louco, menino! Você nunca vai conseguir isto! Mais louco é você, Agostinho, que está querendo colocar Deus no buraquinho de sua cabeça!
 De outro modo, quando Deus deu seu nome a Moisés, dizendo: "Assim responderás aos filhos de Israel, quando quiserem saber quem enviou você a eles, responderás: "EU SOU enviou-me a vocês."
"Eu sou" virou substantivo, não é verbo conjugável. Não tem passado, nem futuro. Chamando-se "Eu sou" Deus estava se identificando como aquele que está fora do tempo, de todas as limitações materiais, temporais e mentais humanas. É outra realidade. O sentido de toda realidade.
DEUS É  INATINGÍVEL! NÃO TEMOS COMO CAPTÁ-LO! NEM COMO APRISIONÁ-LO EM CATEGORIAS HUMANAS.
  4. CRISTO RETRATO DE DEUS
 Um dia, quando Jesus estava falando do Pai e o apóstolo Felipe lhe pediu: "Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta. Jesus respondeu: Faz tanto tempo que estou no meio de vocês e você ainda não me conhece, Felipe? Quem me viu, viu o Pai... Você não acredita que eu estou no Pai e o Pai em mim?" (Jo14,8-11)
(A tradução aqui, não está correta. Devia ser: "Você não acredita que eu sou o Pai e o Pai é eu?")
 Em outra ocasião Jesus deixou isto mais claro quando disse: "O Pai e eu somos UM" (Jo.10.30) (O que, dito em tradução mais correta seria: "O Pai e eu somos a mesma pessoa". Pessoa, aqui, tomada em sentido popular e não teológico). 
Em Cristo, então, Deus se revelou a nós e nele vemos Deus e podemos entender humanamente, quem é Deus. E quanto mais estivermos identificados com Ele, melhor podemos entender a Deus, como ele é, não em conceitos e imagens materiais, mas direta, real e pessoalmente como Ele é.
"Vocês não conhecem, nem a mim nem a meu Pai. Se vocês me conhecessem, conheceriam também meu Pai" (Jo.8,19) 
    5. DEUS A PARTIR DE SEU RETRATO
 Jesus, então, é a tentativa de Deus se revelar a nós. Jesus é seu retrato. Então, até certo ponto, é fácil conhecer a Deus. É só conhecer Jesus. E como conhecer Jesus? Ele mesmo disse: Vendo o que Ele fez, e ensinou. E o que Jesus fez e ensinou?  Podemos resumir o retrato de Deus, revelado em Jesus Cristo em 5 traços:
5.1. P A I
Pai, ou PAPAI, é o modo mais comum, carinhoso o frequente de Jesus se dirigir a Deus. E em dois momentos este relacionamento adquire característica mais marcantes e emotivas: Quando, respondendo ao pedido dos Apóstolos, que se emocionam, vendo seu modo de rezar, pedem-lhe que os ensine a rezar e Ele nos deu este tesouro, que se chama:  "PAI NOSSO".
Nesta oração, mais do que palavras que expressam UM momento de relacionamento íntimo de Jesus com o Pai, Ele nos deu o sentido vital de nosso relacionamento com Deus, vendo-o como: Deus, a quem devemos a vida, todo respeito e obediência. Em quem devemos depositar toda confiança. Esperando dele proteção e perdão.
Em lugar nenhum Jesus mostrou melhor como ele via seu relacionamento com Deus como Pai: resumidos no seu amor previdente, carinhoso e misericordioso, do que quando contou a parábola do Filho Pródigo. (Lc. 15,11-24)
         5.2. AMOR
São João não viu modo melhor de resumir o rosto de Deus, revelado em Jesus do que chamá-lo Amor: "Quem não ama não conhece a Deus, por que Deus é amor e quem ama permanece em Deus e Deus nele" (1Jo.4,7-16).
"Assim Deus amou o mundo ao ponto de nos dar  seu filho unigênito, para que todo o que nele crer, não morra mas tenha a vida eterna". (Jo. 3,16) (Ou: Deus amou tanto o mundo que veio em forma de filho unigênito ao mundo)
Deus não podia dar-nos maior prova de amor do que dando sua vida por  nós: "Não existe maior amor do que dar a vida por seus amigos. Vocês são meus amigos" (Jo.15,13).
5.3. LIBERTADOR
Na minha opinião não há traço mais forte, que revele quem é Deus do que este.
É o que estamos vendo na história do Povo de Deus, na primeira leitura da Eucaristia, de uns dias para cá. Na reflexão de ontem, nós vimos como Jesus se apresenta ao povo, no início de sua vida pública e aos discípulos de João Batista.
O programa desta etapa de sua vida, estaria bem resumida num único capítulo: LIBERTAR: CURANDO OS DOENTES, EXPULSANDO OS DEMÔNIOS, RESSUSCITANDO OS MORTOS. E, finalmente, através do ato supremo de sua vida, a toda a humanidade, através de sua morte  e ressurreição.
Libertador, além de ser o traço mais forte do retrato de Deus, revelado em Jesus  é o sintetiza, na minha opinião, todos os demais traços, por que  é o modo concreto de Deus se revelar pai e amor. Por que Pai que ama, mas deixa que seus filhos permaneçam  escravos, podendo libertá-los, não é pai, nem amor verdadeiro.
5.4 JUIZ
Sob este aspecto, parece que o Deus no Antigo Testamento era mais severo, duro e rigoroso, infringindo castigos pesados ao povo, quando rompiam a Aliança. Provas desta maior severidade de Deus, são: Dilúvio, Sodoma e Gomorra e a Torre de Babel, além dos duros castigos infligidos ao povo, quando este não cumpria o que havia  prometido. Este Deus aparece mais como vingador e juiz.
O Deus revelado em Jesus em o Novo Testamento, se declara, como vimos, no evangelho de hoje, manso e humilde decoração (Mt.11,29) Não aceita a atitude de seus Apóstolos que querem atear fogo numa cidade samaritana, que não quis receber Jesus, a caminho de Jerusalém. (Lc.9,52-54)  Defende a paz, declarando felizes os mansos de coração, os  misericordiosos, os que promovem a paz (Mt,5,5.7.9). Faz de seus discípulos missionários anunciadores da paz. (Lc. 10,5.-6). Proíbe a vingança defende o perdão,  (Mt,5,21-26) e faz do amor ao inimigos a maior prova do amor ao próximo (Mt.5,43-47). Defende a humildade dizendo que os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros (Lc 13,30) e falando que quando formos convidados para um banquete não ocupemos os primeiros, mas os últimos lugares, para que não aconteça que o anfitrião nos peça para darmos lugar a outras pessoas mais importante (Lc. 14,7-11).
O Deus revelado não faz do exercício do poder um ato de dominação, mas um ato de humildade e uma prestação de serviço. Como  exemplo gritante disto, fez questão de entrar solenemente em Jerusalém, montado, não num fogoso cavalo de raça, como faziam os imperadores, mas num jumentinho (Lc,19,29-40) e lavou os pés de seus discípulos. (Jo. 13,4-17)  
Não queria que ninguém se deixasse chamar, ou chamasse alguém de mestre, pai, líder, por que um só é mestre e pai: vosso Pai, que está nos céus.  Um só é vosso líder, o Messias. E vós sois todos irmãos. "O maior entre vocês deve ser aquele que serve. Quem se elevar será humilhado e quem se humilhar será exaltado" (M.23,8-12)
Jesus critica o exercício do poder e propõe uma nova forma de governar: "Vocês sabem que os governadores das nações têm poder sobre elas e os grandes têm autoridade sobre ela. Entre vocês não deverá ser assim. Quem de vocês quiser ser grande deve tornar-se o servidor  e quem de vocês quiser ser o primeiro deve ser o servo de todos. Pois o filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida como resgate em favor de muitos".(Mt.20,29-34)
Mas este Deus manso, humilde, servidor, não impede Jesus de condenar duramente a hipocrisia dos fariseus e ameaçá-los: "Ai de vós:doutores da lei e fariseus hipócritas!(Mt.23,1-39; Lc.11,37-53)
Não o impede, também de armar-se de cordas e expulsar os vendilhões do templo: "Esta casa é casa de oração e vocês fizeram dela um covil de ladrões!"(Mt.21,12-13 ;Lc.19,45-46)
6. DEUS E SÃO CAMILO DE LELIS
Hoje celebramos a festa de São Camilo de Lelis, nascido na Itália, em l550. Tinha um coração abrasado pela caridade, principalmente para com os pobres e doentes. Levado por esta caridade chegou  ao exagero de  afirmar: "Ainda que não se encontrassem pobres no mundo, deveríamos procurá-los e desenterrá-los para lhes fazer o bem e praticar a misericórdia para com eles". Nos pobres e doentes via a própria pessoa de Cristo. Morreu aos 64 anos de idade. Assim São Camilo foi, para nós não só imitador. Não só seguidor. Mas continuador da missão de Cristo, de ser retrato do amor libertador de Deus, na sua obra de curar todo tipo de doenças, libertando de todo tipo de mal. Assim, como Cristo, foi revelação, em realização concreta do amor libertador de Deus.
7. DEUS E OS RIBEIRINHOS
Do que acabamos de refletir,  decorrem quatro compromissos para os Ribeirinhos:
7.1. SEM CRISTO, NADA: que o Ribeirinho não caia na cilada de querer descartar Deus de sua luta para sair da situação de excluído em que se encontra. O interesse e a "jogada" dos sem Deus é justamente esta. Eles conhecem a força revolucionária de Cristo!....
7.2. DEUS-AMOR: Deus ama a todos. Mas está do lado e comprometido com os excluídos, entre os quais os Ribeirinhos. Ele nos ama e não concorda com a situação de exclusão em que eles vivem. Se esta situação não muda, não é por culpa de Cristo, mas por culpa nossa: de nossa Igreja, que fala, mas não faz, de nossos políticos corruptos, de nossos governos, mancomunados com o sistema capitalista, que exclui.
7.3. A UNIÃO FAZ A FORÇA: Assim como sem Cristo, nada, assim também sozinhos, nada. É preciso formar grupo, pensar em grupo, planejar em grupo, agir em grupo e...se for o caso...errar em grupo! Mas sozinhos, nada!
7.4. AÇÃO MISSIONÁRIA: O Missionário continua com a mesma função de Moisés. Na liderança do processo de libertação do Povo Judeu da escravização pelo Egito. Deve mostrar esta imagem de Deus, conscientizar o povo de sua força e ajudá-lo a se unir, planejar, conduzir a realização deste processo de libertação.
Peçamos  a Cristo seja nossa luz e nossa força de união e de ação, por Maria, sua e nossa mãe.
MARIA, MÃE DOS RIBEIRINHOS, ROGAI POR NÓS !

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