TEXTOS: Ex. 3,1-6.9-12; Mt. 11,25-27
"Eu te louvo, ó Pai do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos."
Esta palavra do Evangelho, na liturgia de hoje, nos permite refletir sobre um tema, muito falado na sociedade e Igreja de hoje, mas pouco levado a prática concreta: OS EXCLUÍDOS.
1. IMPORTÂNCIA DO TEMA
A importância deste assunto se evidencia, depois que a própria Igreja tomou esta classe de pessoas como sua PRIORIDADE PASTORAL, ao descobrir suas causas, inerentes ao sistema capitalista dominante em nossa sociedade..
2. QUEM PERTENCE Á CLASSE DOS EXCLUÍDOS
"EXCLUÍDO" é toda aquela pessoa, ou grupo, privado dos meios mais comuns de sobrevivência, como casa, alimentação, saúde, escola e que, portanto, não lhe permitem uma condição de vida humana, decente e justa, como consequência de um sistema econômico social permanente e não de causas ocasionais e transitórias. O excluído é um fenômeno estrutural, fruto de um sistema histórico.
3. O QUE E QUEM O PRODUZ
"EXCLUÍDO" é um fenômeno sobejamente estudado pelas Ciências sociais e os Bispos, América Latina e Caribe, o definem muito bem:
"Conduzida por uma tendência que privilegia o LUCRO e estimula a CONCORRÊNCIA a globalização segue uma dinâmica de CONCENTRAÇÃO DE PODER e de RIQUEZA em mãos de poucos. Concentração não só dos recursos físicos e monetários. Mas sobre tudo da informação e dos recursos humanos, o que produz a EXCLUSÃO de todos aqueles não são suficientemente capacitados e informados, aumentando as desigualdades, que marcam tristemente nosso continente e mantém na pobreza uma multidão de pessoas" (Documento de Aparecida, No, 62. Grifos nossos)
"Já não se trata simplesmente do fenômeno de exploração e opressão, mas de algo novo: a EXCLUSÃO SOCIAL. Com ela a pertença à sociedade, na qual se vive, fica afetada na raiz, pois já não está abaixo, na periferia, ou sem poder, mas está fora, Os excluídos não são somente "explorados", mas "SUPÉRFLUOS" e "DESCARTÁVEIS" (DOCUMENTO DE APARECIDA, Nº.65)
É por isso que de um tempo para cá, já não se fala mais OPÇÃO PRIORITÁRIA pelo pobre, oprimido, explorado, marginalizado, mas EXCLUIDO . As expressões anteriores davam a impressão de que o fenômeno não era estrutural, mas natural, ocasional, acidental e corrigível. Hoje já se est[a convencido que ele é inerente ao sistema e estrutural
'EXCLUÍDO" é, pois, um fenômeno oriundo de um sistema de propriedade, produção e consumo que privilegia a PROPRIEDADE INDIVIDUALISTA dos bens e, a partir daí, o lucro a concorrência e a concentração de tudo, na mão de uma ínfima minoria, excluindo a absoluta maioria da população.
4. JESUS UM EXCLUÍDO
Cristo, apesar de ser Deus, renunciando à sua condição divina, tornou-se simples homem, assumindo a condição de servo, que era a classe dos excluídos do tempo (Fl. 2,6-7).
Ao nascer, a cidade o excluiu e nasceu como nasciam os excluídos do tempo: fora da cidade, numa gruta. (Lc.2,6-7)
Na sua vida oculta em Nazaré, durante 30 anos, ajuda o pai, no humilde trabalho de carpinteiro, própria dos excluídos.
Na sua vida pública sempre o vemos rodeado de pobres e doentes, uma só vez, no meio dos doutores no templo, aos dozes anos, deixando todos embasbacados. Onde se viu tanta inteligência num menino do meio dos excluídos ? (Lc.2,46-47)
Ao morrer, também não havia lugar na cidade, que o excluiu e morreu, como morriam os excluídos: "Fora da lei" (Mc.15,28). No Gólgota, o morro da caveira "Fora dos muros da cidade" (Jo.19,20)
Sem dúvida este foi o motivo principal do ódio e perseguição mortal movida contra ele, pelos fariseus, sacerdotes: "Como pode um excluído, portanto amaldiçoado por Deus, ensinar o que e como ele ensina e, além de tudo, ser contra nós e nos combater publicamente? (Jo.9,1-41)
5. JESUS E SUA OPÇÃO PREFERENCIAL PELOS EXCLUÍDOS
Além de ser um membro da classe excluída, Jesus assumiu a causa deles, fazendo de sua libertação sua opção preferencial:
5.1. Ao se apresentar, e apresentar seu programa de atividade, na oração da sinagoga, dizendo a que veio, antes de iniciar sua vida pública, Jesus se apresenta dizendo que o Espírito do Senhor estava sobre ele, o ungiu e o enviou para libertar toda a classe de excluídos, representados nos: pobres, presos, cegos, oprimidos e para proclamar o ano-jubileu, o ano da graça do Senhor, que poderia ser chamado o ano da libertação e renovação geral da sociedade judaica. (Lc.4,14-21)
5.2 Quando João Batista, lhe envia seus discípulos, para forçar Jesus a dizer, de novo, se ele era, mesmo o messias, ou deviam esperar outro. Jesus que estava pregando, expulsando demônios e curando todo tipo de doença, mandou os discípulos de João voltarem a ele e lhe contarem tudo o que visto e ouvido: "Os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leproso são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres é anunciada a Boa Notícia" (11,2-8)
5.3. No Sermão da Montanha, ocasião em que Jesus publica seu novo e revolucionário projeto de vida e sistema social, questionando todos os valores dominantes do sistema social, romano, judaico e grego, ele comete duas blasfêmias em duas bem-aventuranças nas quais proclama "Felizes o pobres, porque deles é o reino do céu !". E "Felizes os aflitos, por que serão consolados!"
5.4. No evangelho de hoje ele louva o Pai, porque escondeu as coisas do reino aos sábios e entendidos e as revelou aos entendidos. (Mt.11,25)
5.5. Quando ele, cansado, repousa um pouco e Pedro, para não incomodar o mestre impede as crianças de se aproximarem dele, Jesus diz a Pedro: "Deixai vir a mim os pequeninos e não os impeçais, por que deles é o reino dos céus!"(Mt.19,13-14)
5.6. Jesus também disse a um fariseu que o havia convidado para ir a sua casa: "Quando você der um almoço ou um jantar, não convide amigos, nem irmãos, nem parentes, nem vizinhos ricos. Porque esses irão, em troca convidar você. E isso será uma recompensa para você. Pelo contrário, quando você der uma festa, convide pobres, aleijados, mancos e cegos. Então você será feliz, porque eles não lhe poderão retribuir. E você receberá a recompensa na ressurreição dos justos" (Lc. 14,12-14)
5.7. PARÁBOLAS
Além destas passagens Jesus ainda contou mais três parábolas, que revelam sua opção preferencial pelos excluídos.
- O RICO E O POBRE LÁZARO, na qual mostra o pobre Lázaro, leproso, que vivi esmolando à porta do rico. Ambos morreram e Lázaro foi para o céu, enquanto o rico, queimando no fogo do inferno suplicava a Lázaro o tirasse de seus tormentos. (Lc. l6, 19-31)
- A OVELHA PERDIDA: um criador de ovelhas nota que sumiu uma de suas ovelhas. Ele abandona as 99 no aprisco e vai atrás daquela que se havia perdido e Jesus termina esta parábola dizendo que não veio para os que tem saúde, mas para os que estão doentes. (Lc.15,3-7)
- OS CONVIDADOS PARA O BANQUETE: Um pai, preparando o banquete do casamento do filho, mandou vários convites, mas todos os convidados tiraram o corpo, inventando várias desculpas. O Pai, então, mandou seus empregados levarem para a ceia do casamento, toda espécie de pobres, que encontrassem pelas ruas e a sala do banquete ficou repleta. (Mt.22,1-10)
6. DE ONDE VIRÁ A LIBERTAÇÃO DOS EXCLUIDOS?
Os textos da liturgia de hoje, além do que já vimos, parece exigir mais um aspecto que não pode ser esquecido e é de suma importância para a nossa reflexão: De onde virá a libertação dos excluídos?
6.1. A primeira sensação diante do fenômeno é sem dúvida uma sensação de impotência, como a de Moisés diante do poder egípcio, ao ouvir a ordem de Deus: "Vai! Eu te envio ao Faraó, para que faças sair do Egito o meu povo.” E Moisés disse a Deus: "Quem sou eu para ir ao Faraó e fazer sair os filhos de Israel do Egito ?!"
A mesma sensação é a nossa diante do poderio do Sistema Econômico Social Capitalista moderno, infinitamente mais poderoso do que o sistema egípcio, do tempo de Moisés.
Não podemos nos iludir, pensando que o Capitalismo possa, um dia, se abrir aos valores do evangelho e de dentro dele vir à renovação que destrua a irresistível força de exclusão que é inata e intrínseca a ele!
Cristo mesmo já disse: "Não se coloca remendo novo em pano velho, por que o remendo novo repuxa o velho e o buraco fica ainda maior. Não se coloca vinho novo em barris velhos, porque os barris se arrebentam, o vinho se derrama e os barris se perdem. Vinho novo se coloca em barris novos...!" (Mt.9,16-17)
6.2. E então, de onde virá a libertação? Qual foi a resposta que Deus deu a Moisés? "Eu estarei contigo... Eu sei que o rei do Egito não vos deixará partir, e não for obrigado por mão forte. Por isso estenderei minha mão e castigarei o Egito com toda a sorte de prodígios, que vou realizar no meio deles. Depois disso o reido Egito vos deixará partir" (Ex.3,11.19-20)
Jesus não disse: "Para o homem isto é impossível, mas para Deus tudo é possível! Porque o que é impossível ao homem é possível a Deus" (Lc.18,27) "E se tiverdes fé nada será impossível para vocês" (Mt.17,19). E então poderíamos acrescentar: NEM DESTRUIR O SISTEMA CAPITALISTA!
Agora, o grande problema e a grande pergunta é esta: Jesus disse: Se tiverdes fé! E a pergunta é: E NÓS TEMOS FÉ?!. Esta afirmação categórica, Jesus a fez depois de curar um epilético, que os apóstolos não conseguiram curar. Será que não conseguimos destruir o sistema capitalista, epilético, que exclui a absoluta maior parte da população e criar um outro novo sistema justo, humano, igualitário, por que também, como os apóstolos, merecemos a crítica violenta de Cristo: "Gente sem fé e pervertida! Até quando deverei ficar com vocês?! Até quando terei de suportá-los?!" (Mt. 17,17) De fato, sem fé "os filhos das trevas serão mais espertos do que o filhos da luz!"(Lc. 16,8)
O Capitalismo se apresenta como um monstro invencível, massacrando multidões de excluídos porque um punhadinho de filhos das trevas, dominadores, exploradores, opressores, são mais espertos em seus negócios do que milhões de excluídos, que dizem ter, mas de fato, não tem fé e pagam o preço de uma fé só de batismo, de boca ! Uma fé frouxa, acomodada, medrosa!....
6.3. Cristo, porém, sempre quis ter colaboradores em sua luta de libertação. Quando os Apóstolos, eufóricos pelo triunfo retumbante de sua ressurreição perguntaram a Jesus, "Mestre é agora que vais realizar a obra de restauração de Israel?! Jesus respondeu... “O Espírito Santo descerá sobre vocês e dele receberão força para serem minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Samaria e até os extremos da terra" (At.1,6-8) Em outras palavras Jesus quis dizer: Não pensem que sou eu quem vai realizar esta tarefa, da qual vocês estão falando, sozinho. Eu já fiz a minha parte, agora compete a vocês fazerem a parte que lhes toca. Para isto receberão a força do Espírito Santo...."
- Mas tanto a primeira leitura, como o texto do Evangelho, da Eucaristia de hoje, nos dão a entender quem será o agente auxiliar de Cristo, neste processo de libertação: A primeira leitura nos relata a escolha de Moisés, judeu, fugitivo do Egito e jurado de morte por Faraó. É um autêntico excluído, por ser judeu e por ser um perseguido de Faraó.
- Mas além destes textos, vemos na revelação tanto do Antigo, como do Novo Testamento, que esta é, mesmo, a política de Cristo: Escolher os fracos, os pobres, os excluídos, para confundir os fortes, os ricos, e donos do poder.
Portanto, irmãos, vocês, que receberam o chamado de Deus, vejam bem quem são vocês. Entre vocês não há muitos intelectuais, nem muitos poderosos, nem muitos da alta sociedade. Mas Deus escolheu os que são considerados loucos no mundo, para confundir os sábios. E Deus escolheu os que o mundo considera fracos para confundir os fortes. E aquilo que o mundo despreza e acha vil e diz que não tem valor, para destruir o que o mundo pensa que é importante. Desse modo, nenhuma criatura pode se orgulhar na presença de Deus" (1Cor. 1,26-30)
Assim foi, no Antigo Testamento, com Moisés, Sansão, Judit, Ester, e no Novo Testamento, com Maria, Pedro, os Primeiros Apóstolos e todos os cristãos, principalmente dos primeiros quatro séculos, quando subverteram todo o sistema econômico Social vigente e o substituíram pelo sistema medieval, que, depois, também se corrompeu.
Esta é a razão da alegria de Maria , que canta, após o anúncio do nascimento de Jesus:
"Minha alma proclama a grandeza do Senhor.... Por que olhou para a pequenez de sua serva... Realiza proezas com seu braço: dispersa o soberbos de coração. Derruba do trono os poderosos e eleva os humildes. Aos famintos enche de bens e despede os ricos de mão vazias ... Em favor de Abraão e de sua descendência para sempre!" (Lc. 1,46-55)
Então está aí a resposta à pergunta: De onde virá a libertação? Não virá do sistema, que, como camaleão, poderá se adaptar e se ajustar aos problemas que encontrar, mas nunca deixará de excluir a maior parte da população. Não virá unicamente de Cristo, que sempre exige de nós o mínimo dos cinco pães e dois peixes que nós pudermos dar. Mas virá da união de duas forças: a de Cristo e a dos EXCLUÍDOS UNIDOS ENTRE SI. Este é o caminho e único caminho!
7. A EXCLUSÃO E OS RIBEIRINHOS
7.1. OS EXCLUÍDOS DA AMAZÔNIA
A primeira e imediata constatação que nos ocorre é que os Ribeirinhos são um dos principais e numericamente maior fruto deste processo de exclusão, não só no estado do Amazonas, mas em toda a Amazônia, com uma população de l7 milhões de Ribeirinhos, portanto 17 MILHÕES DE EXCLUÍDOS.
7.2. SEM ILUSÕES:
Como vimos os Ribeirinhos, não podem se deixar levar pela ilusão de que sua libertação virá do Governo, do sistema, ou mesmo da religião. Não há dúvida de que a religião poderá colaborar com eles, orientá-los, FISCALIZAR e ajudar, mas nunca estar à frente, coordenar, comandar. Como ouvimos Jesus dizer, pelos Apóstolos a todos os Ribeirinhos. Eles é que têm que tomar o destino de sua história e de sua libertação em suas mãos e levá-la avante, com decisão, determinação e coragem. Ninguém vai fazer isto por eles e, sim, no máximo, COM ELES.
7.3. UMA ANDORINHA NÃO FAZ VERÃO:
Mas esta tarefa estará fadada a gorar sem duas condições:
Primeira: ser inspirada e alicerçada na fé, valores e projeto de Cristo. "Sem mim nada podereis fazer" (Jo,15,5)
Segunda: cada um tem que renunciar à tendência de lutar sozinho, confiando em suas próprias forças, ou em algum aliado do sistema. Lobo que se mascara de cordeiro. Tem que renunciar também a seus interesses individuais e partir para um projeto comum unindo-se aos outros irmãos excluídos. Pensando e planejando junto. Unindo suas forças e trabalhando em vista de um objetivo comum.
Seria ingenuidade pensar que esta é uma tarefa fácil, de curto, ou médio prazo. Mas é preciso acreditar, sonhar, lutar e, antes de tudo, pedir as forças do Senhor, pela intercessão de Maria.
SENHORA DOS RIBEIRINHOS, ROGAI POR NÓS!
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