quarta-feira, 31 de agosto de 2011

14 / JULHO / 2011 = TEXTOS: Ex.3,13-20; Mt. 11,28-30


    Pela pergunta que Moisés faz a Deus, na primeira leitura de hoje, pelo que Deus responde e pelo que Cristo diz de si mesmo no Evangelho, não tenho dúvida de que a Eucaristia, de hoje, nos permite escolher D E U S como tema para nossa reflexão.

    1. DEUS, OBJETO DESCARTÁVEL

   No mundo, sociedade e cultura secularizada, de hoje, com forte tendência secularista, constatamos um esforço de tornar Deus um objeto dispensável ou, ao menos, descartável. Em algumas pessoas, setores ou grupos, como declarada negação, em outros, dúvida e interrogação, ainda em outros, inconfessada, mas inegável ignorância e nos últimos negação do Deus apresentado pelas religiões tradicionais e busca de outras definições.

   2. DEUS, O ETERNO NAMORADO

  Mas, como sabemos que, não só no ser humano, mas em todas as criaturas, a SEDE DE DEUS é um fenômeno antológico, a pergunta QUEM É DEUS?, transformou-se num fenômeno antológico, que perpassa todas as culturas e todas as gerações.
  
 Assim o pedido de Moisés "Mostra-me tua glória!"(Ex.33,18) que, em outras palavras, queria dizer: Quem és?! Dá-me tua identidade, que ajude a conhecer teu direito e poder   torna-se um pedido representativo de toda a criação respondendo a pergunta: "Que direito tens de dizer, ou ensinar, obrigar e exigir alguma coisa?!

  Para Moisés, além deste anseio universal esta resposta era como que um cartão de identidade, ou carta de recomendação, para apresentar tanto a seu povo, como ao Faraó, provando sua autoridade e direito de ser respeitado e obedecido.
  
    3. DEUS NÃO EXISTE!

 Respondendo a Moisés, Deus quis reafirmar, através de gesto e linguagem simbólica que ele é "O OUTRO", O INDESCRITÍVEL, O IRRECONHECÍVEL, a não ser através de sinais e comparações, que nunca atingem a essência de seu ser. Em outras palavras: ninguém, neste estágio de vida física, histórica, temporal, conseguirá entender a Deus. Isto só será possível no estágio posterior à ressurreição.

    "Javé respondeu: farei passar diante de você todo o meu esplendor e pronunciarei, diante de você o meu nome: JAVÉ. Terei piedade, de quem eu quiser ter piedade e terei compaixão de quem eu quiser ter compaixão. E acrescentou: você não poderá ver o meu rosto, por que ninguém poderá ver o meu rosto e continuar com vida. E Javé disse ainda: Eis aqui um lugar junto a mim. Fique em cima da rocha. 
Quando a minha glória passar, eu colocarei você na fenda da rocha e o cobrirei com a palma da mão, até que eu tenha passado. Depois tirarei a palma da mão e me verás pelas costas. Minha face, porém você não poderá ver" (Ex.33,19-23).
O próprio Jesus o disse: "Ninguém jamais viu a Deus" (Jo. 1,18)
  E é fácil de entender. Todo e todos os nossos conhecimentos são midiatizados pelos sentidos, como ensina a filosofia: "Nada chega à inteligência, a não ser que passe, antes, pelos sentidos."
Ora, as realidades pós-morte não são realidades físicas, materiais, ou sujeitas ao tempo histórico e, portanto, não são captáveis pelos sentidos. Assim sendo, nossa inteligência não tem o que a  filosofia chama de "Princípio de Identidade", que a possibilite captar as realidades ultra-terrenas.
 Foi isto que levou um teólogo católico do século XII, Eckart, a afirmar, para escândalo da Igreja, que ''DEUS NÃO EXISTE", querendo, com esta expressão escandalosa dizer que o que falamos sobre Deus não é realmente o que Deus é, mas uma imagem falsa, humana, materializada, ou mentalizada dele. Este Deus, de fato, não existe.
 São Paulo disse a mesma coisa, quando afirmou "Agora vemos como que através de um espelho, de maneira confusa, mas, depois, veremos como as coisas realmente são. Agora meu conhecimento é limitado, mas, depois, conhecerei como sou conhecido" (1Cor. 13,12)
 É o que quer fazer entender, também, uma lenda atribuída a Santo Agostinho, que um dia, andando na praia, meditava, tentando entender quem é Deus. De repente apareceu um menino, que furou um buraquinho na areia da praia, depois pegou uma conchinha, ia até a água do mar, enchia a conchinha e a despejava no buraquinho. Intrigado com isto Santo Agostinho perguntou ao menino, o que ele estava fazendo. O menino respondeu: Eu quero ver se consigo colocar toda a água deste mar neste buraquinho....Santo Agostinho deu uma gostosa gargalhada e disse ao menino: Deixe de ser louco, menino! Você nunca vai conseguir isto! Mais louco é você, Agostinho, que está querendo colocar Deus no buraquinho de sua cabeça!
 De outro modo, quando Deus deu seu nome a Moisés, dizendo: "Assim responderás aos filhos de Israel, quando quiserem saber quem enviou você a eles, responderás: "EU SOU enviou-me a vocês."
"Eu sou" virou substantivo, não é verbo conjugável. Não tem passado, nem futuro. Chamando-se "Eu sou" Deus estava se identificando como aquele que está fora do tempo, de todas as limitações materiais, temporais e mentais humanas. É outra realidade. O sentido de toda realidade.
DEUS É  INATINGÍVEL! NÃO TEMOS COMO CAPTÁ-LO! NEM COMO APRISIONÁ-LO EM CATEGORIAS HUMANAS.
  4. CRISTO RETRATO DE DEUS
 Um dia, quando Jesus estava falando do Pai e o apóstolo Felipe lhe pediu: "Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta. Jesus respondeu: Faz tanto tempo que estou no meio de vocês e você ainda não me conhece, Felipe? Quem me viu, viu o Pai... Você não acredita que eu estou no Pai e o Pai em mim?" (Jo14,8-11)
(A tradução aqui, não está correta. Devia ser: "Você não acredita que eu sou o Pai e o Pai é eu?")
 Em outra ocasião Jesus deixou isto mais claro quando disse: "O Pai e eu somos UM" (Jo.10.30) (O que, dito em tradução mais correta seria: "O Pai e eu somos a mesma pessoa". Pessoa, aqui, tomada em sentido popular e não teológico). 
Em Cristo, então, Deus se revelou a nós e nele vemos Deus e podemos entender humanamente, quem é Deus. E quanto mais estivermos identificados com Ele, melhor podemos entender a Deus, como ele é, não em conceitos e imagens materiais, mas direta, real e pessoalmente como Ele é.
"Vocês não conhecem, nem a mim nem a meu Pai. Se vocês me conhecessem, conheceriam também meu Pai" (Jo.8,19) 
    5. DEUS A PARTIR DE SEU RETRATO
 Jesus, então, é a tentativa de Deus se revelar a nós. Jesus é seu retrato. Então, até certo ponto, é fácil conhecer a Deus. É só conhecer Jesus. E como conhecer Jesus? Ele mesmo disse: Vendo o que Ele fez, e ensinou. E o que Jesus fez e ensinou?  Podemos resumir o retrato de Deus, revelado em Jesus Cristo em 5 traços:
5.1. P A I
Pai, ou PAPAI, é o modo mais comum, carinhoso o frequente de Jesus se dirigir a Deus. E em dois momentos este relacionamento adquire característica mais marcantes e emotivas: Quando, respondendo ao pedido dos Apóstolos, que se emocionam, vendo seu modo de rezar, pedem-lhe que os ensine a rezar e Ele nos deu este tesouro, que se chama:  "PAI NOSSO".
Nesta oração, mais do que palavras que expressam UM momento de relacionamento íntimo de Jesus com o Pai, Ele nos deu o sentido vital de nosso relacionamento com Deus, vendo-o como: Deus, a quem devemos a vida, todo respeito e obediência. Em quem devemos depositar toda confiança. Esperando dele proteção e perdão.
Em lugar nenhum Jesus mostrou melhor como ele via seu relacionamento com Deus como Pai: resumidos no seu amor previdente, carinhoso e misericordioso, do que quando contou a parábola do Filho Pródigo. (Lc. 15,11-24)
         5.2. AMOR
São João não viu modo melhor de resumir o rosto de Deus, revelado em Jesus do que chamá-lo Amor: "Quem não ama não conhece a Deus, por que Deus é amor e quem ama permanece em Deus e Deus nele" (1Jo.4,7-16).
"Assim Deus amou o mundo ao ponto de nos dar  seu filho unigênito, para que todo o que nele crer, não morra mas tenha a vida eterna". (Jo. 3,16) (Ou: Deus amou tanto o mundo que veio em forma de filho unigênito ao mundo)
Deus não podia dar-nos maior prova de amor do que dando sua vida por  nós: "Não existe maior amor do que dar a vida por seus amigos. Vocês são meus amigos" (Jo.15,13).
5.3. LIBERTADOR
Na minha opinião não há traço mais forte, que revele quem é Deus do que este.
É o que estamos vendo na história do Povo de Deus, na primeira leitura da Eucaristia, de uns dias para cá. Na reflexão de ontem, nós vimos como Jesus se apresenta ao povo, no início de sua vida pública e aos discípulos de João Batista.
O programa desta etapa de sua vida, estaria bem resumida num único capítulo: LIBERTAR: CURANDO OS DOENTES, EXPULSANDO OS DEMÔNIOS, RESSUSCITANDO OS MORTOS. E, finalmente, através do ato supremo de sua vida, a toda a humanidade, através de sua morte  e ressurreição.
Libertador, além de ser o traço mais forte do retrato de Deus, revelado em Jesus  é o sintetiza, na minha opinião, todos os demais traços, por que  é o modo concreto de Deus se revelar pai e amor. Por que Pai que ama, mas deixa que seus filhos permaneçam  escravos, podendo libertá-los, não é pai, nem amor verdadeiro.
5.4 JUIZ
Sob este aspecto, parece que o Deus no Antigo Testamento era mais severo, duro e rigoroso, infringindo castigos pesados ao povo, quando rompiam a Aliança. Provas desta maior severidade de Deus, são: Dilúvio, Sodoma e Gomorra e a Torre de Babel, além dos duros castigos infligidos ao povo, quando este não cumpria o que havia  prometido. Este Deus aparece mais como vingador e juiz.
O Deus revelado em Jesus em o Novo Testamento, se declara, como vimos, no evangelho de hoje, manso e humilde decoração (Mt.11,29) Não aceita a atitude de seus Apóstolos que querem atear fogo numa cidade samaritana, que não quis receber Jesus, a caminho de Jerusalém. (Lc.9,52-54)  Defende a paz, declarando felizes os mansos de coração, os  misericordiosos, os que promovem a paz (Mt,5,5.7.9). Faz de seus discípulos missionários anunciadores da paz. (Lc. 10,5.-6). Proíbe a vingança defende o perdão,  (Mt,5,21-26) e faz do amor ao inimigos a maior prova do amor ao próximo (Mt.5,43-47). Defende a humildade dizendo que os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros (Lc 13,30) e falando que quando formos convidados para um banquete não ocupemos os primeiros, mas os últimos lugares, para que não aconteça que o anfitrião nos peça para darmos lugar a outras pessoas mais importante (Lc. 14,7-11).
O Deus revelado não faz do exercício do poder um ato de dominação, mas um ato de humildade e uma prestação de serviço. Como  exemplo gritante disto, fez questão de entrar solenemente em Jerusalém, montado, não num fogoso cavalo de raça, como faziam os imperadores, mas num jumentinho (Lc,19,29-40) e lavou os pés de seus discípulos. (Jo. 13,4-17)  
Não queria que ninguém se deixasse chamar, ou chamasse alguém de mestre, pai, líder, por que um só é mestre e pai: vosso Pai, que está nos céus.  Um só é vosso líder, o Messias. E vós sois todos irmãos. "O maior entre vocês deve ser aquele que serve. Quem se elevar será humilhado e quem se humilhar será exaltado" (M.23,8-12)
Jesus critica o exercício do poder e propõe uma nova forma de governar: "Vocês sabem que os governadores das nações têm poder sobre elas e os grandes têm autoridade sobre ela. Entre vocês não deverá ser assim. Quem de vocês quiser ser grande deve tornar-se o servidor  e quem de vocês quiser ser o primeiro deve ser o servo de todos. Pois o filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida como resgate em favor de muitos".(Mt.20,29-34)
Mas este Deus manso, humilde, servidor, não impede Jesus de condenar duramente a hipocrisia dos fariseus e ameaçá-los: "Ai de vós:doutores da lei e fariseus hipócritas!(Mt.23,1-39; Lc.11,37-53)
Não o impede, também de armar-se de cordas e expulsar os vendilhões do templo: "Esta casa é casa de oração e vocês fizeram dela um covil de ladrões!"(Mt.21,12-13 ;Lc.19,45-46)
6. DEUS E SÃO CAMILO DE LELIS
Hoje celebramos a festa de São Camilo de Lelis, nascido na Itália, em l550. Tinha um coração abrasado pela caridade, principalmente para com os pobres e doentes. Levado por esta caridade chegou  ao exagero de  afirmar: "Ainda que não se encontrassem pobres no mundo, deveríamos procurá-los e desenterrá-los para lhes fazer o bem e praticar a misericórdia para com eles". Nos pobres e doentes via a própria pessoa de Cristo. Morreu aos 64 anos de idade. Assim São Camilo foi, para nós não só imitador. Não só seguidor. Mas continuador da missão de Cristo, de ser retrato do amor libertador de Deus, na sua obra de curar todo tipo de doenças, libertando de todo tipo de mal. Assim, como Cristo, foi revelação, em realização concreta do amor libertador de Deus.
7. DEUS E OS RIBEIRINHOS
Do que acabamos de refletir,  decorrem quatro compromissos para os Ribeirinhos:
7.1. SEM CRISTO, NADA: que o Ribeirinho não caia na cilada de querer descartar Deus de sua luta para sair da situação de excluído em que se encontra. O interesse e a "jogada" dos sem Deus é justamente esta. Eles conhecem a força revolucionária de Cristo!....
7.2. DEUS-AMOR: Deus ama a todos. Mas está do lado e comprometido com os excluídos, entre os quais os Ribeirinhos. Ele nos ama e não concorda com a situação de exclusão em que eles vivem. Se esta situação não muda, não é por culpa de Cristo, mas por culpa nossa: de nossa Igreja, que fala, mas não faz, de nossos políticos corruptos, de nossos governos, mancomunados com o sistema capitalista, que exclui.
7.3. A UNIÃO FAZ A FORÇA: Assim como sem Cristo, nada, assim também sozinhos, nada. É preciso formar grupo, pensar em grupo, planejar em grupo, agir em grupo e...se for o caso...errar em grupo! Mas sozinhos, nada!
7.4. AÇÃO MISSIONÁRIA: O Missionário continua com a mesma função de Moisés. Na liderança do processo de libertação do Povo Judeu da escravização pelo Egito. Deve mostrar esta imagem de Deus, conscientizar o povo de sua força e ajudá-lo a se unir, planejar, conduzir a realização deste processo de libertação.
Peçamos  a Cristo seja nossa luz e nossa força de união e de ação, por Maria, sua e nossa mãe.
MARIA, MÃE DOS RIBEIRINHOS, ROGAI POR NÓS !

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

15a. SEMANA COMUM: 13 / JULHO / 2011, QUARTA FEIRA


TEXTOS: Ex. 3,1-6.9-12; Mt. 11,25-27
    "Eu te louvo, ó Pai do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos."

    Esta palavra do Evangelho, na liturgia de hoje, nos permite refletir sobre um tema, muito falado na sociedade e Igreja de hoje, mas pouco levado a prática concreta:  OS  EXCLUÍDOS.
1. IMPORTÂNCIA DO TEMA
A importância deste assunto se evidencia, depois que a própria Igreja tomou esta classe de pessoas como sua PRIORIDADE PASTORAL, ao descobrir suas causas, inerentes  ao sistema capitalista dominante em nossa sociedade..
2. QUEM PERTENCE Á CLASSE DOS EXCLUÍDOS
    "EXCLUÍDO" é toda aquela pessoa, ou grupo, privado dos meios mais comuns de sobrevivência, como casa, alimentação, saúde, escola e que, portanto, não lhe permitem uma condição de vida humana, decente e justa, como consequência de um sistema econômico social permanente e não de causas ocasionais e transitórias. O excluído é um fenômeno estrutural, fruto de um sistema  histórico.
3. O QUE E QUEM O PRODUZ
    "EXCLUÍDO" é um fenômeno sobejamente estudado pelas Ciências sociais e os Bispos, América Latina e Caribe, o definem muito bem:
    "Conduzida por uma tendência que privilegia o LUCRO e estimula a CONCORRÊNCIA a globalização segue uma dinâmica de CONCENTRAÇÃO DE PODER e de RIQUEZA em mãos de poucos. Concentração não só dos recursos físicos e monetários. Mas sobre tudo da informação e dos recursos humanos, o que produz a EXCLUSÃO  de todos aqueles não são suficientemente capacitados e informados, aumentando as desigualdades, que marcam tristemente nosso continente e mantém na pobreza uma multidão de pessoas" (Documento de Aparecida, No, 62. Grifos nossos)
     "Já não se trata simplesmente do fenômeno de exploração e opressão, mas de algo novo: a EXCLUSÃO SOCIAL. Com ela a pertença à sociedade, na qual se vive, fica afetada na raiz, pois já não está abaixo, na periferia, ou sem poder, mas está fora, Os excluídos não são somente "explorados", mas "SUPÉRFLUOS" e "DESCARTÁVEIS" (DOCUMENTO DE APARECIDA, Nº.65)
    É por isso que de um tempo para cá, já não se fala mais OPÇÃO PRIORITÁRIA pelo pobre, oprimido, explorado, marginalizado,  mas EXCLUIDO . As expressões anteriores davam a impressão de que o fenômeno não era estrutural, mas natural, ocasional, acidental e corrigível. Hoje já se est[a convencido que ele é inerente ao sistema e estrutural
    'EXCLUÍDO" é, pois, um fenômeno oriundo de um sistema de propriedade, produção e consumo que privilegia a PROPRIEDADE INDIVIDUALISTA  dos bens e, a partir daí, o lucro a concorrência e a concentração de tudo, na mão de uma ínfima minoria, excluindo a absoluta maioria da população.
4. JESUS UM EXCLUÍDO 
    Cristo, apesar de ser Deus, renunciando à sua condição divina, tornou-se simples homem, assumindo a condição de servo, que era a classe dos excluídos do tempo (Fl. 2,6-7).
    Ao nascer, a cidade o excluiu e nasceu como nasciam os excluídos do tempo: fora da cidade, numa gruta. (Lc.2,6-7)

    Na sua vida oculta em Nazaré, durante 30 anos,  ajuda o pai, no humilde trabalho de carpinteiro, própria dos excluídos.

    Na sua vida pública sempre o vemos rodeado de pobres e doentes, uma só vez, no meio dos doutores no templo, aos dozes anos, deixando todos embasbacados. Onde se viu tanta inteligência num menino do meio dos excluídos  ? (Lc.2,46-47)
      Ao morrer, também não havia lugar na cidade, que o excluiu e morreu, como morriam os excluídos: "Fora da lei" (Mc.15,28). No Gólgota, o morro da caveira "Fora dos muros da cidade" (Jo.19,20) 
     Sem dúvida este foi o motivo principal do ódio e perseguição mortal movida contra ele, pelos fariseus, sacerdotes: "Como pode um excluído, portanto amaldiçoado por Deus, ensinar o que e como ele ensina e, além de tudo, ser contra nós e  nos combater publicamente? (Jo.9,1-41)
5. JESUS E SUA OPÇÃO PREFERENCIAL PELOS EXCLUÍDOS
      Além de ser um membro da classe excluída, Jesus assumiu a causa deles, fazendo de sua libertação  sua opção preferencial:
5.1. Ao se apresentar, e apresentar seu programa de atividade, na oração da sinagoga, dizendo a que veio, antes de iniciar sua vida pública, Jesus se apresenta dizendo que o Espírito do Senhor estava sobre ele, o ungiu e o enviou para libertar toda a classe de excluídos, representados nos: pobres, presos, cegos, oprimidos e para proclamar o ano-jubileu, o ano da graça do Senhor, que poderia ser chamado o ano da libertação e renovação geral da sociedade judaica. (Lc.4,14-21)
5.2 Quando João Batista, lhe envia seus discípulos, para forçar Jesus a dizer, de novo, se ele era, mesmo o messias, ou deviam esperar outro. Jesus que estava  pregando, expulsando demônios e curando todo tipo de doença, mandou os discípulos de João voltarem a ele e lhe contarem tudo o que  visto e ouvido: "Os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leproso são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres é anunciada a Boa Notícia" (11,2-8)
5.3. No Sermão da Montanha, ocasião em que Jesus publica seu novo e revolucionário projeto de vida e sistema social, questionando todos os valores dominantes do sistema social, romano, judaico e grego, ele comete duas blasfêmias em duas bem-aventuranças nas quais  proclama  "Felizes o pobres, porque deles é o reino do céu !". E "Felizes os aflitos, por que serão consolados!"
5.4. No evangelho de hoje ele louva o Pai, porque escondeu as coisas do reino aos sábios e entendidos e as revelou aos entendidos. (Mt.11,25)
5.5. Quando ele, cansado, repousa um pouco e Pedro, para não incomodar o mestre impede as crianças de se aproximarem dele, Jesus diz a Pedro: "Deixai vir a mim os pequeninos e não os impeçais, por que deles é o reino dos céus!"(Mt.19,13-14)
5.6. Jesus também disse a um fariseu que o havia convidado para ir a sua casa: "Quando você der um almoço ou um jantar, não convide amigos, nem irmãos, nem parentes, nem vizinhos ricos. Porque esses irão, em troca convidar você. E isso será uma recompensa para você. Pelo contrário, quando você der uma festa, convide pobres, aleijados, mancos e cegos. Então você será feliz, porque eles não lhe poderão retribuir. E você receberá a recompensa na ressurreição dos justos" (Lc. 14,12-14)
5.7. PARÁBOLAS
Além destas passagens Jesus ainda contou mais três parábolas, que revelam sua opção preferencial pelos excluídos.
- O RICO E O POBRE LÁZARO, na qual mostra o pobre Lázaro, leproso, que vivi esmolando à porta do rico. Ambos morreram e Lázaro foi para o céu, enquanto o rico, queimando no fogo do inferno suplicava a Lázaro o tirasse de seus tormentos. (Lc. l6, 19-31)
- A OVELHA PERDIDA: um criador de ovelhas nota que sumiu uma de suas ovelhas. Ele abandona as 99 no aprisco e vai atrás daquela que se havia perdido e Jesus termina esta parábola dizendo que não veio para os que tem saúde, mas para os que estão doentes. (Lc.15,3-7)
- OS CONVIDADOS PARA O BANQUETE: Um pai, preparando o banquete do casamento do filho, mandou vários convites, mas todos os convidados tiraram o corpo, inventando várias desculpas. O Pai, então, mandou seus empregados levarem para a ceia do casamento, toda espécie de pobres, que encontrassem pelas ruas e a sala do banquete ficou repleta. (Mt.22,1-10)

6. DE ONDE VIRÁ A LIBERTAÇÃO DOS EXCLUIDOS? 
    Os textos da liturgia de hoje, além do que já vimos, parece exigir mais um aspecto que não pode ser esquecido e é de suma importância para a nossa reflexão: De onde virá a libertação dos excluídos?
6.1. A primeira sensação diante do fenômeno é sem dúvida uma sensação de impotência, como a de Moisés  diante do poder egípcio, ao ouvir a ordem de Deus:  "Vai! Eu te envio ao Faraó, para que faças  sair do Egito o meu povo.” E Moisés disse a Deus: "Quem sou eu para ir ao Faraó e fazer sair os filhos de Israel do Egito ?!"
A mesma sensação é a nossa diante do poderio  do Sistema Econômico Social Capitalista moderno, infinitamente mais poderoso do que o sistema egípcio, do tempo de Moisés.
Não podemos nos iludir, pensando que o Capitalismo possa, um dia, se abrir aos valores do evangelho e de dentro dele vir à renovação que destrua a irresistível força de exclusão que é inata e intrínseca a ele!
Cristo mesmo já disse: "Não se coloca remendo novo em pano velho, por que o remendo novo repuxa o velho  e o buraco fica ainda maior. Não se coloca vinho novo em barris velhos, porque os barris se arrebentam, o vinho se derrama e os barris se perdem. Vinho novo se coloca em barris novos...!" (Mt.9,16-17)
6.2. E então, de onde virá a libertação? Qual foi a resposta que Deus deu a Moisés? "Eu estarei contigo... Eu sei que o rei do Egito não vos deixará partir, e não for obrigado por mão forte. Por isso estenderei minha mão e castigarei o Egito com toda a sorte de prodígios, que vou realizar no meio deles. Depois disso o reido Egito vos deixará partir" (Ex.3,11.19-20)
Jesus não disse: "Para o homem isto é impossível, mas para Deus tudo é possível! Porque o que é impossível ao homem é possível a Deus" (Lc.18,27) "E se tiverdes fé nada será impossível para vocês" (Mt.17,19). E então poderíamos acrescentar: NEM DESTRUIR O SISTEMA CAPITALISTA!
Agora, o grande problema e a grande pergunta é esta: Jesus disse: Se tiverdes fé! E a pergunta é: E NÓS TEMOS FÉ?!. Esta afirmação categórica, Jesus a fez depois de curar um epilético, que os apóstolos não conseguiram curar. Será que não conseguimos destruir o sistema capitalista, epilético, que exclui a absoluta maior parte da população e criar um outro novo sistema justo, humano, igualitário, por que também, como os apóstolos, merecemos a crítica violenta de Cristo: "Gente sem fé e pervertida! Até quando deverei ficar com vocês?! Até quando terei de suportá-los?!" (Mt. 17,17) De fato, sem fé "os filhos das trevas serão mais espertos do que o filhos da luz!"(Lc. 16,8)
O Capitalismo se apresenta como um monstro invencível, massacrando multidões de excluídos porque um punhadinho de filhos das trevas, dominadores, exploradores, opressores, são mais espertos em seus negócios do que milhões de excluídos, que dizem ter, mas de fato, não tem fé  e pagam o preço de uma fé só de batismo, de boca ! Uma fé frouxa, acomodada, medrosa!.... 
6.3. Cristo, porém, sempre quis ter colaboradores em sua luta de libertação. Quando os Apóstolos, eufóricos pelo triunfo retumbante de sua ressurreição perguntaram a Jesus, "Mestre é agora que vais realizar a obra de restauração de Israel?! Jesus respondeu... “O Espírito Santo descerá sobre vocês e dele receberão força para serem minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Samaria e até os extremos da terra" (At.1,6-8) Em outras palavras Jesus quis dizer: Não pensem que sou eu quem vai realizar esta tarefa, da qual vocês estão falando, sozinho. Eu já fiz a minha parte, agora compete a vocês fazerem a parte que lhes toca. Para isto receberão a força do Espírito Santo...."
-  Mas tanto a primeira leitura, como o  texto do  Evangelho, da Eucaristia de hoje, nos dão a entender quem será o agente auxiliar de Cristo, neste processo de libertação: A primeira leitura nos relata a escolha de Moisés, judeu, fugitivo do Egito e jurado de morte por Faraó. É um autêntico excluído, por ser judeu e por ser um perseguido de Faraó.
 - Mas além destes textos, vemos na revelação tanto do Antigo, como do Novo Testamento, que esta é, mesmo, a política de Cristo: Escolher os fracos, os pobres, os excluídos, para confundir os fortes, os ricos, e donos do poder.
Portanto, irmãos, vocês, que receberam o chamado de Deus, vejam bem quem são vocês. Entre vocês não há muitos intelectuais, nem muitos poderosos, nem muitos da alta sociedade. Mas Deus escolheu os que são considerados loucos no mundo, para confundir os sábios. E Deus  escolheu os que o mundo considera  fracos  para confundir os fortes. E aquilo que o mundo despreza e acha vil e diz que não tem valor,  para destruir o que o mundo pensa que é importante. Desse modo, nenhuma criatura pode se orgulhar na presença de Deus" (1Cor. 1,26-30)
         Assim foi, no Antigo Testamento, com Moisés, Sansão, Judit, Ester, e no Novo Testamento, com Maria, Pedro, os Primeiros Apóstolos e todos os cristãos, principalmente dos primeiros quatro séculos, quando subverteram todo o sistema econômico Social vigente e o substituíram pelo sistema medieval, que, depois, também se corrompeu.
Esta é a razão da alegria de Maria , que canta, após o anúncio do nascimento de Jesus:
    "Minha alma proclama a grandeza do Senhor....  Por que olhou para a pequenez de sua serva... Realiza proezas com seu braço: dispersa o soberbos de coração. Derruba do trono os poderosos e eleva os humildes. Aos famintos enche de bens e despede os ricos de mão vazias ... Em favor de Abraão e de sua descendência para sempre!" (Lc. 1,46-55)
Então está aí a resposta à pergunta: De onde virá a libertação? Não virá do sistema, que, como camaleão, poderá se adaptar e se ajustar aos problemas que encontrar, mas nunca deixará de excluir a maior parte da população. Não virá unicamente de Cristo, que sempre exige de nós o mínimo dos cinco pães e dois peixes que nós pudermos dar. Mas virá da união de duas forças: a de Cristo e a dos  EXCLUÍDOS UNIDOS ENTRE SI. Este é o caminho e único caminho!
7. A EXCLUSÃO E OS RIBEIRINHOS
7.1.  OS EXCLUÍDOS DA AMAZÔNIA
A primeira e imediata constatação que nos ocorre é que os Ribeirinhos são um dos principais e numericamente maior fruto deste processo de exclusão, não só no estado do Amazonas, mas em toda a  Amazônia, com uma população de l7 milhões de Ribeirinhos, portanto 17 MILHÕES DE EXCLUÍDOS.
7.2. SEM ILUSÕES:
Como vimos os Ribeirinhos, não podem se deixar levar pela ilusão de que sua libertação virá do Governo, do sistema, ou mesmo da religião. Não há dúvida de que a religião poderá colaborar com eles, orientá-los, FISCALIZAR e ajudar, mas nunca estar à frente, coordenar, comandar. Como ouvimos Jesus dizer, pelos Apóstolos a todos os Ribeirinhos. Eles é que têm que tomar o destino de sua história e de sua libertação em suas mãos e levá-la avante, com decisão, determinação e coragem. Ninguém vai fazer isto por eles e, sim, no máximo, COM ELES.
7.3. UMA ANDORINHA NÃO FAZ VERÃO:
Mas esta tarefa estará fadada a gorar sem duas condições:
Primeira: ser inspirada e alicerçada na fé, valores e projeto de Cristo. "Sem mim nada podereis fazer" (Jo,15,5)
Segunda: cada um tem que renunciar à tendência de lutar sozinho, confiando em suas próprias forças, ou em algum aliado do sistema. Lobo que se mascara de cordeiro. Tem que renunciar também a seus interesses individuais e partir para um projeto comum unindo-se aos outros irmãos excluídos. Pensando e planejando junto. Unindo suas forças e trabalhando  em vista de um  objetivo comum.
Seria  ingenuidade pensar que esta é uma tarefa fácil, de curto, ou médio prazo. Mas é preciso acreditar, sonhar, lutar e, antes de tudo, pedir as forças do Senhor, pela intercessão de Maria.
SENHORA DOS RIBEIRINHOS, ROGAI POR NÓS!