quarta-feira, 14 de setembro de 2011

TEXTOS: EX. 14,5-18; Mt. 12,38-42


Embora os textos Litúrgicos,  em geral, não sejam colocados na Eucaristia do dia com vistas a algum tema, acho interessante e útil tentar descobrir neles um fio condutor, que os integre numa unidade temática. Tarefa em geral muito difícil, justamente pelo motivo acima. Estamos tentando, em vista de um trabalho  mais evangelizador
Assim a liturgia de hoje, a partir da atitude do povo Judeu, revoltado contra Deus, no deserto, e do pedido de alguns Mestres da Lei e Fariseus, nos permite refletir sobre um tema, que consideramos importante, revelado pelo Evangelho: GRATUIDADE, GRATIDÃO e INGRATIDÃO.

1. MERCANTILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES
Um dos males de nossa sociedade e cultura, dominadas pelo sistema capitalista, no qual o lucro é o valor absoluto e  determinante de todas as relações, é o que chamamos de  MERCANTILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES, até religiosas. Tudo vira mercadoria, Objeto de troca e venda, comércio, lucro. "Do ut des" (Dou para receber!)" É dando que se recebe". E assim está decretada a morte da gratuidade.... 
E como esta é uma das manifestações do verdadeiro amor cristão, quase sua definição, lá se foi também o amor ! Em nossa sociedade nada se dá.  Tudo se troca! Tudo é venda! Dou um presente de aniversário? Em troca, espero receber um no meu! 

2. GRATUIDADE
Jesus, na parábola dos CONVIDADOS DA CEIA nos ajuda a entender o que seja gratuidade:  "Jesus disse também ao fariseu que o havia convidado: Quando você der um almoço ou jantar, não convide amigos, nem irmãos, nem parentes, nem vizinhos ricos. Porque esses irão, em troca convidar você. E isso será para você recompensa. Pelo contrário, quando você der uma festa, convide pobres, alejados, mancos e cegos. Então você será feliz, porque eles não lhe poderão retribuir e você receberá a recompensa na ressurreição dos justos" (Lc. 14,12-14). Em outra ocasião, enviando seus apóstolos para a missão, entre outros conselhos que lhes dá, um é este: "Vocês receberam de graça, dêem também de graça!" (Mt. 19,8).     
Com esta doutrina Jesus quis nos ensinar que nosso interesse, ou o que nos deve mover em tudo o que fizermos, não deve ser o intuito de lucro, ou o desejo de ganhar alguma coisa em troca e, muito menos levar vantagem sobre alguém, ou alguma coisa, mas pura e simplesmente o amor, a comunhão com o irmão, o desejo de ajudar desinteressadamente, a fraternidade.
Podemos até dizer, como já acenamos, que a gratuidade, quase se confunde com o amor, uma vez que é sua primeira manifestação concreta: "De tal modo Deus amou o mundo que se DEU a  ele como filho primogênito" (Criado por Deus em primeiro lugar e Primeiro dos homens criados.  Cristo se deu a nós, gratuitamente, morrendo por nós, sem esperar  e sem que nós pudéssemos dar-lhe algo em troca, por que, quando ele morreu por nós, ainda éramos pecadores. "Vocês receberam de graça" (Mt.19,8) "Deus demonstra seu amor para conosco por que Cristo morreu por nós quando ainda éramos pecadores." (Rm. 5,8; 1Tm 1,15). O amor nada espera  em troca!  Nada cobra!
Esta é a atitude impressionante e comovente de Deus durante toda a história do Antigo Testamento, que trata, com requintes de predileção um povo, que não merece e do qual só recebe infidelidades e ofensas, em troca de amor e proteção. E o mesmo acontece hoje, com a maior parte da humanidade, que não responde com o mínimo o máximo de amor que dele recebe.

3. GRATIDÃO
Embora, como vimos, Cristo tenha ensinado e dado exemplos de gratuidade, em tudo o que fazia, admirou-se  e criticou os 9 leprosos que não voltaram, para lhe agradecer a cura: "....Ao perceber que estava curado, um deles voltou atrás, dando glória a Deus, em alta voz. Jogou-se aos pés de Jesus e lhe agradeceu (E a bíblia da questão de destacar:) E ESTE ERA UM SAMARITANO. Então Jesus lhe perguntou: Não foram dez os curados ?  E os outros nove, onde estão ? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus a não ser este ESTRANGEIRO? E disse-lhe: Levante-se e vá ! Tua fé te salvou !"(Lc. 17,11-19)
Aprendemos, então, que a gratuidade deve ser do lado de quem FAZ o bem, não do lado de que RECEBE o bem. Eu não posso fazer o bem PARA, ou com a intenção de receber o bem, em troca. O bem feito, tem um valor em si e deve valer por si, não por algo que venha depois, da parte daquele a quem se fez o bem, ou o recebeu. Mas aquele que recebe o bem, pela mesma razão do amor e fraternidade,  obrigação de retribuir. Gratidão é então o reconhecimento e resposta de amor exigido pelo bem, ou ato de amor feito, não por aquele que o fez, mas pelo que o recebeu. "Amor com amor se paga".
Este reconhecimento e resposta, não precisa ser, necessariamente através, de palavras, manifestação de afeto,  um gesto, ou objeto material, visível. Pode ser de outro modo como a conversão de todo o povo de Nínive, em resposta à pregação do profeta Jonas, por exemplo, ou como a Raiha do Sul, que veio, de longe, buscar a sabedoria de Salomão.
Foi por esta falta de reconhecimento, ou gratidão, por todos os sinais, ou milagres que já tinha feito, que Jesus recusou outros sinais cuja única finalidade seria agradar os mestres da lei e os fariseus, como nos mostra o Evangelho da missa de hoje.

4. INGRATIDÃO
Se a gratidão tem uma só forma: que é reconhecimento pelo bem recebido, a ingratidão tem duas formas, que são: 
PRIMEIRA: Não reconhecimento, ou desconhecimento, indiferença, pouco caso, ou ignorância do bem recebido, a exemplo da atitude dos Mestres da Lei e Fariseus, que cinicamente fingem não saber nada de tantos milagres que Jesus já fizera e que o faziam conhecido em toda a Judéia e Galiléia, quando o povo todo sabe e de todos os cantos vem gente ser curada por Jesus e só eles, que controlavam todo o povo, não sabiam de nada ??????!!!!!!......
SEGUNDA: Muito pior do que o desconhecimento, indiferença, ou pouco caso, do bem recebido é a revolta conta o benfeitor, justamente por causa do bem recebido. Coisa incompreensível e imperdoável, mas que acontece, como aconteceu de forma inconcebível com os judeus, que, no deserto, se revoltaram contra Deus, que, por Moisés os libertara dá escravidão do Egito. Estes gritos de revolta são tão violentos, que criam em nós repulsa enorme, até hoje, milhões de anos depois. Vamos ouvi-los:
"FOI POR NÃO HAVER SEPULTURAS SUFICIENTES NO EGITO, QUE NOS TROUXESTE PARA MORRER NO DESERTO?!  DE QUE NOS VALEU TER SIDO TIRADOS DO EGITO?! NÃO ERA ISSO QUE TE DIZIAMOS LÁ? DEIXA-NOS EM PAZ, SERVIR AOS EGÍPCIOS! POR QUE ERA MUITO MELHOR SERVIR AOS EGÍPCIOS DO QUE MORRER NO DESERTO"
Depois de sabermos tudo o que Deus fez em favor deste povo, desde que vieram para o Egito, se multiplicaram e se formaram como povo. Tudo o que Deus fez para fortificá-los e fazê-los suportar a dureza da escravidão, durante séculos.  Tudo o que fizera, agora, para libertá-los definitivamente da escravidão Egípcia e introduzi-los na nova terra que havia prometido, sentimos uma raiva enorme deste povo, por causa de sua ingratidão. Deus que os guiara e tanto fizera para protegê-los até agora, cometeria a enorme burrice de deixá-los morrer neste deserto? Este gesto muito mais que ingratidão era uma implícita negação da sabedoria, amor e poder de Deus, que eles haviam experimentado durante tantos séculos. 

5. PACIÊNCIA E MISERICÓRDIA  
Por muito menos, Deus  afogou o mundo, nas águas do dilúvio, destruiu Sodoma e Gomorra pelo fogo, confundiu e dispersou pelo mundo, os construtores da  Torre de Babel. Muito menor foi à ofensa dos Mestres da Lei e Fariseus, por um simples pedido.... E apesar  de tamanha  ofensa, Deus tem incompreensível paciência com este povo, que, praticamente o nega e segue impassível seu caminho......  "Onde abundou o pecado, superabundou a graça"(Rm.5,20)
A história do povo de Israel nos mostra à saciedade que Deus é de uma  palavra só. É "sim" e não "sim e não" (Mt. 5,37) Impassível diante de nossos sentimentos e inclinações.  Inamovível em seus projetos, mesmo frente a nossas incompreensões. Sua ação está acima de nossos pensamentos, sentimentos e ações, gratidões, ou ingratidões. Ele Senhor absoluto da historia ! E, mesmo que demore, não se deixa levar por ela!

6. O SINAL DE JONAS, NÍNIVE E A RAINHA DO SUL
Mas paciência, condescendência, misericórdia, perdão, sem justiça, é conivência e pactuar com o mal. Nesta hora Deus e Cristo deixam a bondade de lado e apelam para a justiça educando para o arrependimento e provocando a conversão. A história do povo de Deus poderia, a partir disso, ser resumida num drama em quatro atos: promessa e fidelidade de Deus - infidelidade do povo e transgressão da aliança - advertência e castigo - arrependimento e conversão.
À falsidade e fingimento hipócrita de mestres e Fariseus  Cristo opõe o exemplo dos Ninivitas que se converteram pela pregação do   Profeta e o exemplo da rainha do Sul, que vem de muito longe para consultar o sábio Salomão. Ora Ele era muito maior que Jonas e Salomão. O Sinal que lhes daria e que viria confirmar sua divindade e, por tanto, sua autoridade seria o fato de sua ressurreição, da qual a ressurreição de Jonas é um sinal profético. Por isso os Ninivitas e a rainha do Sul serão seus maiores acusadores no dia do juízo.

7. AS BARREIRAS 
As duas leituras da liturgia de hoje nos mostram que dois obstáculos principais  podem impedir a gratidão:
7.1. Os problemas que vão aparecendo em nossa vida. O povo Judeu, diante da primeira dificuldade que lhe apareceu pela frente, esqueceu tudo o que Deus já lhe tinha feito e se revoltou contra ele, sem pensar que, se Deus o havia protegido até ali, de dificuldades muito maiores, como iria deixá-lo morrer agora? Para que, então, Deus o havia libertado da escravidão? Para fazê-lo morrer no deserto? Não tinha lógica, nem sentido!!!... A ingratidão é ilógica  e de memória fraca!!!..
7.2. Oposição à pessoa. Como a gratidão é uma resposta de amor, ao amor recebido, assim também a ingratidão é um ato de desamor, movido pela não aceitação da pessoa que me fez o bem. O pedido dos Mestres da Lei e Fariseus mostra, mais uma vez, como já acontecera diversas vezes, que o que eles queriam era por Jesus em alguma situação melindrosa, onde Ele pudesse se contradizer e lhes desse um motivo para desmascará-lo, minando sua autoridade perante o povo. Quando a gente não gosta,  não tem simpatia ou  é contra a  pessoa, esta pode fazer o que quiser, que eu não valorizo, com facilidade me esqueço, ou finjo que esqueci. De quem eu amo o mínimo que ela me fizer de bom será motivo de lembrança e gratidão perpétua. Dos meus inimigos por mais ou maior que façam a meu favor, eu me esqueço rapidamente. 

 8. E NÓS? SOMOS DIFERENTES?
A esta altura da reflexão é bom pararmos e pensarmos: será que nossa história de vida é muito diferente da história do povo Judeu,  dos mestre e fariseus? Não vivemos, também, exigindo, ou esperando milagres para crer? Não esquecemos com incrível facilidade os enormes "milagres" que Cristo já nos fez? Não agimos como se estivéssemos fazendo favor a Cristo, por termos e vivermos nossa fé? Que maior milagre podemos exigir de Cristo do que sua morte e ressurreição pela nossa libertação?! Existe milagre maior do que sua presença constante em nosso meio, para realizar, de novo, sua morte e ressurreição?  Ser nosso companheiro e alimento diário, no sacramento da Eucaristia?! Ainda não basta? Precisamos ainda de mais e maiores sinais?! Cristo não tem que nos dar mais sinal nenhum, além do que já nos deu! Será, mesmo, que temos, ou queremos ter fé?

9. GRATIDÃO, INGRATIDÃO E RIBEIRINHOS
9.1 Quando li o relato do povo Judeu, encurralados entre o mar Vermelho e o exército egípcio que o perseguia, lembrei-me da situação semelhante dos ribeirinhos, encurralados, sem saber para onde fugir em sua situação de inúmeros problemas: sem escola, escola deficitária, sem atendimento de saúde, sem preço para o que produzem, sem dinheiro para o que precisam, sem recursos para crescerem.... O que fazer? Não há muita perspectiva de solução, nem possibilidade de muita luta. Para onde ir?  Em tal situação a palavra de Moisés é válida e inspiradora ainda hoje: "PERMANECEI FIRMES E VEREIS O QUE O SENHOR FARÁ HOJE PARA VOS SALVAR. OS EGIPCIOS QUE HOJE ESTAIS VENDO NUNCA MAIS OS TORNAREIS A VER. O SENHOR COMBATERÁ POR VÓS! FICAI TRANQUILOS (Ex. 14, 13) Não há outra saída se não confiar na ajuda de Cristo. Mas não nos esqueçamos de que Cristo não usa nossos relógios, nem segue nosso tempo.
9.2. Também não podemos ser como o povo Judeu e os Mestres da Lei esquecendo-nos do que Cristo já fez por nós e de que  temos que fazer o mínimo que podemos, como Deus e Cristo sempre exigiram de seu povo: "O Senhor disse  Moisés: Por que clamas a mim por socorro? Diz  aos filhos de Israel que se ponham em marcha. Quanto a ti ergue a vara, estende o braço sobre o mar e divide-o, para que os filhos de Israel caminhem em seco pelo meio do mar" (Ex.l4,15-16)  Deus fez o milagre para seu povo, por que não o fará aqui, por nós? Não podemos desesperar! Temos que permanecer firmes, ficar tranquilos, lutar com as armas que temos, sem desanimar!
9.3. O Missionário hoje, tem a função de ser o Moisés de ontem: animando, orientando e acompanhando o povo na sua luta, sem tomar o lugar de suas lideranças, evangelizando.
Que Cristo seja nosso primeiro Moisés, ajudando Ribeirinhos e missionários em sua luta.  Maria seja nossa medianeira.
MÃE DOS RIBEIRINHOS, ROGAI POR NÓS!

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