quarta-feira, 14 de setembro de 2011

TEXTOS: Ex. 14,21-15,1; Mt. 12,46-50


A primeira leitura, da liturgia eucarística de hoje, narra o fato histórico da "Páscoa", ou passagem do Mar Vermelho, pelos Judeus. O Evangelho, que repete o do dia 16, relata o fato da Mãe e parentes de Jesus, que vão visitá-lo e Jesus diz que sua mãe e seus irmãos são os que fazem a vontade do Pai.
Achei que estas duas leituras, cujo nexo, à primeira vista, não é fácil de descobrir, se integram a partir do tema que escolhemos para a reflexão de hoje: PASSAGEM, TRANSFORMAÇÃO, MUDANÇA não apenas em sentido moral e religioso, mas em sentido global, integral, incluindo os aspectos: cultural, econômico e social.

1. SOCIEDADE E CULTURA EM ESTADO DE TRANSFORMAÇÃO
Já lembramos este fato, há alguns dias atrás, quando mencionamos o estado de anomia, ou seja, a não aceitação de normas, costumes e valores tradicionais , que colocam nossa sociedade em situação de crise. "Os povos da América Latina e do Caribe vivem hoje uma realidade marcada por grandes mudanças que afetam profundamente suas vidas..... A novidade dessas mudanças, diferentemente do ocorrido em outras épocas, é que elas tem um alcance global que, com diferenças e matizes, afetam o mundo inteiro. Habitualmente são caracterizadas como o fenômeno da globalização.....Como se costuma dizer, a história se acelerou e as próprias mudanças se tornam vertiginosas, visto que se comunica com grande velocidade a todo os cantos do planeta...com conseqüências em todos os campos da atividade da vida social, impactando a cultura, a economia, a política, as ciências, a educação, o esporte, as artes e também, naturalmente a religião" (Documento de Aparecida, Nos.34-35)
A crise do dólar, no bloco americano e do euro, no bloco europeu está sendo considerada, não apenas como uma crise ocasional, superficial, circunscrita, temporária e periférica ao sistema como um todo, mas como uma crise estrutural do sistema, afetando a estrutura do sistema global. Deslocamento do poder de controle do mundo do Bloco Europeu-Americano, para o Bloco Asiático-Sul Americano ou "crise terminal do capitalismo", como escreveu Leonardo Boff, (Jornal "Linha de Frente", Ano IV, No. 22,Julho/Agosto 2011, pg. 2)
Vivemos, então, uma autêntica situação de Páscoa (Passagem, mudança, transformação), com, viveu o povo Judeu. Como viveu o mundo, com o advento do cristianismo. Estamos na aurora de novos céus e nova terra, sonhados por Isaías (Is.65,17-25). Deus queira eles sejam o lugar "onde habitará a justiça", conforme desejo de Pedro. (2Pd. 3,11-13)

2. A TRANSFORMAÇÃO PROPOSTA POR CRISTO
A transformação proposta por Cristo não é uma renovação, ou reforma, mas verdadeira  revolução. Revolução estrutural, passando de uma situação de escravidão para uma situação de liberdade como foi à passagem do mar vermelho para os judeus.

2.1.  TOTAL MUDANÇA DE SISTEMA: como Ele deu a entender, com a comparação do remendo e  vinho novo em pano e barril velho: "Ninguém põe remendo de pano novo em roupa  velha, porque o remendo repuxa o pano e o rasgo fica maior ainda. Também não e põe vinho novo em barris velhos, se não os barris se arrebentam, o vinho se derrama e os barris se perdem. Mas vinho novo se põe em barris novos e assim os dois se conservam" (Mt.9,14-17)
O mesmo podemos deduzir da cena da transfiguração, quando podemos supor que Ele quis mostrar sua real, ou divina figura, além (Trans) da figura humana e dos novos cristãos e nova sociedade cristã, frente à velha sociedade do Antigo Testamento, representada em Moisés e Elias.
Em Jesus "TUDO se fez novo" (Ap. 21,5)

2.2.  TOTAL MUDANÇA PESSOAL: morte ao homem velho para ressurreição do homem novo, nova criatura ( 2Cor, 5,15-17; Ef. 4,20-31). Morte ao homem carnal vida ao homem espiritual (Gl. 5,13-26; 6,8)

2.3.  RADICAL MUDANÇA NO CONCEITO E RELAÇÕES DE FAMÍLIA: no Evangelho da Eucaristia hoje Jesus subverte e revoluciona radicalmente o conceito e a vivência de família,  definindo-a não a partir da carne, do sangue e da raça, mas  de sua dimensão espiritual:
"Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe" (Mt. 12,50)

2.4. MUDANÇA ESTRUTURAL DO SISTEMA COMO UM TODO: Podemos dizer que todos os quatro evangelhos e escritos do novo testamento desenvolvem o Projeto Global de Jesus. Mas, no meu modo de entender, a Comunidade de Mateus quis nos dar, principalmente nos capítulos cinco, seis e sete, do evangelho atribuído a ele, a síntese de seu projeto:
Iniciando, Jesus proclama, alto e bom som, que não veio abolir nada, nem da lei judaica, nem dos Profetas. De fato ele não abole, mas, primeiro, diz que veio dar-lhes pleno cumprimento, que já é um começo de revolução num tempo e sociedade falsa e corrupta que ensinava e impunha nas costas do povo o fardo pesado da lei, que escribas, fariseus, sacerdotes não a tocavam nem com o dedo. Segundo veio aperfeiçoá-los. Mas neste trabalho de aperfeiçoá-lo Jesus dá um  novo e tal enfoque aos mandamentos da lei antiga, que é mais do que aboli-los e dar uma nova lei.
Logo em seguida Ele também diz: "com efeito eu lhes garanto: Se a vossa justiça não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, não entrarei no reino dos céus" (Mt.5,20)
O modo como Ele publica item por item de seu projeto, também não combina com esta afirmação de que não veio inovar nada: Ele sempre confronta seu projeto com o projeto antigo e promulga "Foi dito aos antigos EU, PORÉM, vos digo"...
Em seguida ele coloca um princípio, que poderíamos chamar de chave de leitura de todo o projeto e que representa verdadeiro virar às avessas todo o modo de pensar  antigo, que nunca chegou a sequer pensar e muito menos a exigir isto: "Sede perfeitos como vosso Pai que está no céu é perfeito" (Mt. 5,48)   
E se analisarmos em que Ele coloca este "mas perfeito", veremos que a mudança é radical. Vejamos alguns exemplos:
- Foi dito aos antigos: - Não mate, mas eu vos digo:
- Todo o que tiver raiva se torna réu. (Mt.5,21-22)
- Quem xingar de imbecil, ou idiota, se torna réu e merece o fogo do inferno (22)
- Se lembrares  que TEU IRMÃO tem alguma coisa contra ti, abandona a oferta no altar e vai fazer as pazes com teu irmão (23-25)       
- Se alguém te acusar de alguma coisa, vai fazer as pazes (26)
- Foi dito aos antigos:  Não cometa adultério. Eu porém vos digo,aquele que olhar para um mulher  e cobiçá-la, já adulterou ( (27) Se algum órgão de teu corpo é causa de escândalo, arranca-o e joga-o fora (31)
- Também foi dito - Quem se divorciar, dê a carta de divórcio à mulher. Mas eu vos digo, quem se divorciar, transforma sua  mulher numa adúltera. (31)
- Não jurem falso. Eu porém vos digo, não jurem de jeito nenhum. Seja o vosso sim, sim e não, não. (33)
-  Vocês ouviram o que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Eu porém vos digo: Não se vinguem. Se alguém lhe der um tapa  numa face oferece a outra (38-42)
- Ouviram o que foi dito: Ame seu próximo e odeie seu inimigo. Eu, porém, vos digo amai vossos inimigos. (43-47
- Não façam nada só para serem vistos. (6,1-6.16-18)
- A oração não se mede pelo tem de oração e pelas palavras (6,7-13)
- Não acumuleis tesouros na terra. Você não pode servir a Deus e ao dinheiro. (6,19-34)
 - Não julgueis para não serdes julgados. (7,1-6)
- Ação e não palavras. Não é aquele que DIZ, mas aquele que FAZ. (7,21-27)
Em outra ocasião ele vai dizer que quem quiser segui-lo tem que renunciar à família, aos bens materiais, à si mesmo,  a própria vida e tomar sua cruz. (Mt. 10,37-38; 19,20; Mc. 28-30; Lc.l3,27; 14,33;)
E Paulo, questionando diretamente a cultura e filosofia Grega, não teme afirmar: Os gregos querem sabedoria. Nós, porém, só temos a oferecer Cristo Crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os pagãos. (1 Cor. 1, 22-25)
Depois do que vimos, não podemos negar que Jesus, com seu novo projeto ético-moral, não quis apenas renovar, ou reformar o antigo projeto judeu, grego, romano, mas os quis mudar radicalmente, revolucioná-los.
Então, quando Jesus afirma que não veio abolir a lei, Ele simplesmente está usando uma expressão prudente, para não chocar demais e prematuramente a quem o ouve. Mas depois que esta radicalidade foi entendida, os judeus também entenderam que só lhes restava duas alternativas: ou revolucionar todo o sistema e criar nova sociedade, ou eliminar o revolucionário. Os judeus optar pelo mai fácil.  
  
3. A REVOLUÇÃO DE CRISTO E A REALIDADE RIBEIRINHA
 Temos razão ao pensar que a realidade ribeirinha só mudará e todos os seus problemas serão resolvidos, se nosso sistema social capitalista mudar. E isto só será possível se o sistema capitalista passar por uma transformação radical no seu sentido de propriedade, no seu modo de produção, na sua filosofia de lucro e de concorrência, privilegiando sempre o capital sobre o trabalho, criando e aprofundando a exclusão da absoluta maior parte da população.
Como o povo judeu, no deserto, diante do Mar Vermelho, sentimo-nos  fracos e impotentes. Não nos esqueçamos porem, de que, para Deus, nada é impossível e se Deus está do nosso lado, quem estará, ou poderá fazer contra nós?

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