sexta-feira, 6 de maio de 2011

A REALIDADE RIBEIRINHA


Já mencionamos e tocamos em alguns pontos periféricos, relativos à realidade ribeirinha, onde trabalhamos. Ainda falaremos sobre sua história. Hoje gostaríamos de dar uma fotografia mais detalhada da mesma, em alguns de seus aspectos mais fundamentais.

I.  ONDE ESTAMOS ?

     A Missão Ribeirinha, de que falamos, localiza-se no que muitos chamam "o coração da Amazônia" e, talvez, da América Latina: o estado de Rondônia, a 15 minutos da Bolívia, bastando, para isto, tomar uma "voadeira", (lancha com motor de popa) e atravessar o rio Mamoré. Estamos no município e diocese de Guajará-Mirim. Porto Velho, a capital do Estado dista 375 quilômetros. Os limites desta Diocese, com relação à Bolívia, são formados por 1.500 quilômetros de rio: Rio GUAPORÉ, que vem do Mato Gross e que, ao se encontrar com o rio Mamoré, oriundo da Bolívia, perde o nome e passa a chamar-se MAMORÉ, dando o nome ao VALE DO GUAPORÉ-MAMORÉ, UM DOS VALES MAIS RICOS EM BIO-DIVERSIDADE DO BRASIL E DO MUNDO. Mais adiante, no município de Nova Mamoré, o mesmo rio, encontrando-se com o rio BENI, que também vem da Bolívia, recebe o nome de RIO MADEIRA, que, depois de mais de 20 cachoeiras, chega a Porto velho e com mais  quatro dias de viagem de barco, vai desaguar no rio Amazonas, estado do Amazonas. Como toda a Amazônia este Estado e Diocese é verdadeiro pantanal, cortado por inúmeros e variados afluentes destes dois rios, que poderiam ser chamados espinha dorsal da Diocese. Verdadeira renda aquática, com uma extensão de 89,700 Km² e 176.709 habitantes, dos quais 7.000 são índios, agrupados em 25 povos, em sua absoluta maioria já aculturados, mas vivendo em comunidades próprias nas quais não se pode entrar a não ser com licença do cacique, chefe supremo e absoluto da tribo. Esta população está divida em três Regiões Pastorais:

SEDE: 03 Paróquias, 14 Comunidades Urbanas  e 58 Comunidades Rurais.

CENTRO: 04 Paróquias, 14 Comunidades Urbanas e 156 Comunidades Rurais.

SUL: 04 Paróquias, 19 Comunidades Urbanas e 174 Comunidades Rurais.


   II. QUEM SOMOS ?

    O que chamamos de "nossa missão ribeirinha na Diocese de Guajará-Mirim",  é uma minúscula parte desta totalidade, dividida em dois setores: Comunidades da beira dos rios e Comunidades dos Ramais: estradas que saem dos rios e se ramificam em pequenos sítios e fazendas.
    Esta divisão é determinada pelo tempo das chuvas, em que os rios estão altos e permitem navegação (inverno) de Dezembro-Janeiro a Junho-Julho e pelo tempo da seca, em que os rios estão baixos e quase impossibilitam a navegação (Verão): de Junho-Julho a Dezembro-Janeiro

    1. LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA: Minha área de trabalho, NOS RIOS, é formada por 4 rios: Mamoré, Pacaás Novos, afluente do Mamoré, Rio Novo e Rio Ouro Preto, por sua vez afluentes do Pacaás Novos, numa extensão de mais 1.200 Km. Todos localizados a mais ou menos meia hora de voadeira 15. Depois do Porto de saída de Guajará-Mirim, do lado esquerdo de quem sobe o rio Mamoré, justamente na frente do Hotel-Floresta Pacaás Novos.  Para chegar na cabeceira de cada rio gastam-se dois dias de viagem, com a  mesma voadeira.
     Os rios são todos muito sinuosos e as casas são localizadas às suas margens. Na margem direita de quem sobe o rio Pacaás Novos estão as comunidades Indígenas, que estão só neste rio. Do lado esquerdo estão  as  não-indígenas, que habitam os três rios.

    OS RAMAIS, como já dissemos são estradas, que saem dos rios e se ramificam em pequenos sítios e fazendas. A diferença entre rios e ramais é que estes permitem um acesso muito mais rápido e seguro para a cidade. São seis ramais, numa distância de 30 a 70 Km da cidade. O acesso a eles é por terra  e com carro tipo jeep, devido ao estado lastimável das estradas. 
  
     2. LOCALIZAÇÃO DEMOGRÁFICA: Na fase áurea da borracha esta área foi muito mais povoada. Com a queda do preço da borracha, provocada também pela sua industrialização na Malásia, esta área entrou em processo de involução demográfica, contando, hoje com uma população indígena de 15 aldeias, 270 famílias e l.636 habitantes à qual se acrescenta uma população-não indígena de 15 comunidades, 127 famílias e 364 habitantes, numa média indígena de quase 7 pessoas por família e não indígena de duas pessoas. Mas tem-se que tomar em consideração que a família indígena mora toda na aldeia, enquanto a família não indígena, em sua maioria, a mãe fica na cidade ("rua") com os filhos, por causa da escola.
    Os ramais só tem população não-indígena, contando com 06 comunidades, 20l famílias e 303 habitantes.
    A população total geral da missão, então, na minha área é de: 498 Famílias das quais 228 não-indígenas e 2.303 habitantes dos quais 667 não-indígenas. 

    3. LOCALIZAÇÃO ECONÔMICA: A produção dominante, que garante a sobrevivência desta população, tanto ribeirinha, como dos ramais é a FARINHA DE MANDIOCA, cuja produção é do ano inteiro. A coleta da castanha e de outras frutas é sazonal, a plantação de arroz, feijão e milho é só para consumo da família e a extração da borracha é feita em escala bem reduzida, por filhos de antigos seringueiros. Nos ramais também é forte e frequente a criação e exploração do gado para leite e carne. Não se encontra nestas áreas a exploração de legumes e hortaliças, justificadas pelas pragas e fraqueza do solo.
   Toda a produção da área é comercializada na cidade, sofrendo a exploração de seus preços.
   
    4. LOCALIZAÇÃO SANITÁRIA: Se a saúde vai mal em todo o Brasil, mesmo nas cidades, imagine nesta área ribeirinha e dos ramais. Ela não apenas vão mal, mas inexiste. Em geral não há Postos de Saúde. Quando os há, não há medicamentos. Como me disseram numa comunidade: "Aqui o agente de saúde só aparece de vez em quando, trazendo camisinha e hipoclorito, para a água.”
    
   5. LOCALIZAÇÃO DA ESCOLA E INSTRUÇÃO: onde há escola, falta professor(a). Onde há professor, falta material e merenda. O Professor tem que ir todo mês buscar seu salário na cidade e por lá fica, por falta de meio de transporte que o traga de volta. As escolas funcionam até o antigo quarto ano. Depois os adolescentes têm que ir para a cidade, continuar seus estudos. A mãe vai junto para cuidar dos filhos, enquanto o pai, ou fica na roça, ou ali volta frequentemente, para cuidar do ganha-pão da família. Em geral o professor dura um ano e cada ano temos o rodízio de professores. Isto para não falar de outros problemas, como, professores mal preparados, viciados, irresponsáveis....

   6. LOCALIZAÇÃO RELIGIOSA: Todo o trabalho de evangelização, atendimento e assistência religiosa, da área ribeirinha, até 2007 era  feito através das famosas DESOBRIGAS, quando o missionário, dependendo do número da população e condições do lugar, ficava à disposição do povo, o tempo necessário, para que este pudesse "desobrigar-se" de certos deveres cristão, como: batizado, crisma, primeira eucaristia, casamento na Igreja, confissão, comunhão , bênçãos. Esta era, também a ocasião, da evangelização, que diante de todas estas funções tinha um tempo muito reduzido, sem possibilidade de provocar uma opção e adesão de fé consciente, convicta pessoal e livre. A partir disto, o que encontramos, a nível religioso foi:
   Quase totalidade foi batizada. Quase totalidade dos casais, não se casou no Religioso e já está na segunda e terceira união. Absoluta maioria não fez a Primeira Eucaristia. A totalidade não foi crismada. A ignorância religiosa é muito grande: das orações só se sabe,mais ou menos, a Ave-Maria. Ignora-se o Pai Nosso, o Creio em Deus Pai, nem se imagine.... e as orações da Missa. Imagine-se, então, o nível de conhecimento religioso, totalmente nulo. Esta foi à situação que encontramos, em 2007.
   
    Esta é a realidade, na qual Cristo nos chama a trabalhar. Verdadeira área excluída e de excluídos. Nesta realidade, o que poderemos fazer. Que  trabalho realizar?! É o que iremos ver no próximo texto.

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